Os santos arcanjos
Homilia do Papa Bento XVI na festa dos Santos Miguel, Gabriel e Rafael, 29 de setembro de 2007
O que é um anjo? [...] Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra “El”, que significa Deus. Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é existir em vista d'Ele e para Ele.
É precisamente assim que se explica o segundo aspeto que caracteriza os Anjos: eles são os mensageiros de Deus. Levam Deus aos homens, abrem os céus e, por conseguinte, abrem a terra. Precisamente porque estão próximos de Deus, podem também estar muito próximos do homem. Deus está mais próximo de cada um de nós do que nós próprios.
Os Anjos falam ao homem daquilo que constitui o seu verdadeiro ser, daquilo que na sua vida é tantas vezes encoberto e enterrado. Chamam-no a entrar em si mesmo, tocando-o em nome de Deus.
Também neste sentido, nós, que somos seres humanos, devemos tornar-nos sempre anjos uns para os outros - anjos que nos afastam dos caminhos do erro e nos apontam sempre para Deus. [...]
Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje.
Antes de mais, existe Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura [...]. Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a presunção do dragão, a “antiga serpente”, como diz João. É a tentativa incessante da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer para que eles possam tornar-se grandes; que Deus é um obstáculo à nossa liberdade e que, por isso, devemos livrar-nos dele.
Mas o dragão não se limita a acusar Deus. O Apocalipse chama-lhe também “o acusador dos nossos irmãos, que os acusava dia e noite diante do nosso Deus” (Ap 12,10). Aquele que põe Deus de lado não engrandece o homem, mas rouba-lhe a sua dignidade. O homem torna-se então um produto mal sucedido da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem.
A fé em Deus defende o homem em todas as suas fraquezas e defeitos: o esplendor de Deus brilha em cada indivíduo. [...] A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protetor do Povo de Deus (cf. Dn 10,21; 12,1). Caros amigos, vós sois verdadeiramente os “anjos da guarda” das Igrejas que vos foram confiadas! Ajudai o Povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria da fé e a aprender a discernir os espíritos: a acolher o bem e a rejeitar o mal, a permanecer e a tornar-se cada vez mais, em virtude da esperança da fé, pessoas que amam em comunhão com o Deus do Amor.
Encontramos o Arcanjo Gabriel, em particular na preciosa narração do anúncio a Maria da Encarnação de Deus, registada por São Lucas (1, 26-39). Gabriel é o mensageiro da encarnação de Deus. Bate à porta de Maria e, através dele, Deus pede a Maria o seu “sim” à proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo eterno de Deus, ao Filho de Deus.
Em várias ocasiões, o Senhor bate à porta do coração humano. No Livro do Apocalipse, diz ao “anjo” da Igreja de Laodicéia e, através dele, aos homens de todos os tempos: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (3,20).
O Senhor está à porta - à porta do mundo e à porta do coração de cada um. Bate à porta para que o deixem entrar: a encarnação de Deus, o seu fazer-se carne, deve continuar até ao fim dos tempos. Todos devem estar unidos em Cristo como um só corpo: é o que nos dizem os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses.
Cristo bate à porta. Também hoje precisa de pessoas que, por assim dizer, coloquem a sua própria carne à sua disposição, que lhe dêem o material do mundo e da sua vida, servindo assim para unir Deus e o mundo, para reconciliar o universo. Caros amigos, a vossa tarefa é bater nos corações dos homens em nome de Cristo. Entrando vós próprios em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar aos homens o chamamento de Cristo.
« Os Anjos falam ao homem sobre o que constitui o seu verdadeiro ser, sobre o que na sua vida é tantas vezes encoberto e enterrado. »
São Rafael é-nos apresentado, nomeadamente no livro de Tobias, como o Anjo a quem é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus enviava os seus discípulos em missão, a tarefa de anunciar o Evangelho era sempre acompanhada pela tarefa de curar. [...] Anunciar o Evangelho é, em si mesmo, curar, porque o que o homem mais precisa é de verdade e de amor.
No Livro de Tobias, lemos sobre duas tarefas emblemáticas de cura realizadas pelo Arcanjo Rafael. Ele cura a comunhão perturbada entre o homem e a mulher. Cura o seu amor. Expulsa os demónios que, uma e outra vez, dilaceram e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre eles e dá-lhes a capacidade de se acolherem um ao outro para sempre. [...]
O livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quão ameaçados estamos hoje pela cegueira em relação a Deus. Como é grande o perigo de, perante tudo o que conhecemos das coisas materiais e somos capazes de fazer com elas, nos tornarmos cegos à luz de Deus! [...] De facto, a verdadeira ferida da alma, causa de todas as outras feridas, é o pecado. E só se houver perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, é que podemos ser curados, que podemos ser redimidos.
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A frase :
« Quais são hoje as maiores necessidades da Igreja? Não se surpreendam com a nossa resposta, que não é nem simplista nem supersticiosa, e muito menos irreal: uma das suas maiores necessidades é defender-se do mal a que chamamos demónio. »
Paulo VI, Audiência Geral, 15 de novembro de 1972