Blasfémias em série: basta!
Com as férias de verão a chegarem ao fim, os leitores podem estar a perguntar-se porque é que o seu jornal preferido publica uma notícia de primeira página sobre algo tão triste e sério como a blasfémia. Afinal, muitos santuários estiveram cheios durante as férias de verão, e o bom desenrolar dos Jogos Olímpicos e a conquista de medalhas pela equipa francesa constituíram um raro momento de unidade nacional. Então, porquê colocar na primeira página a palavra “blasfémia”, que divide opiniões e, para alguns, é repulsiva?
Para o compreender, precisamos de fazer um pequeno desvio pela teologia. Ao revelar o seu Nome, Deus concedeu ao homem uma graça imensa, mas também correu um risco. Se, por um lado, os fiéis podem ter uma relação pessoal com o seu Criador e Salvador, por outro lado, também é possível fazer um mau uso do nome de Deus: é isso que constitui a blasfémia. Por extensão, qualquer falta de respeito para com Deus, a Igreja, os santos e as coisas santas constitui blasfémia, que é sempre um pecado grave em si mesmo, para o qual está prevista uma sanção canónica (cf. CIC 2148 e CIC cân. 1369).
Este pequeno lembrete pode ajudar-nos a compreender a gravidade dos acontecimentos que tiveram lugar em França este verão. Comecemos pelos Jogos Olímpicos. Entre as cerca de dez peças que compunham a cerimónia de abertura, a que representava a Última Ceia causou grande celeuma. E com razão: um cantor quase nu, pintado de azul, representava Cristo, enquanto as drag queens representavam os apóstolos. Apesar de os autores negarem, é difícil não ver uma ligação com o famoso quadro de Leonardo da Vinci. Além disso, a France Télévisions não se enganou, tweetando em direto (e depois apagando o tweet): “Uma Última Ceia LEGENDÁRIA”. Perante esta falta de respeito pela pessoa de Cristo e dos apóstolos, vários países - incluindo os Estados Unidos e Marrocos - interromperam a emissão em direto para não transmitir estas imagens, ofensivas não só para os católicos, mas para todos aqueles que consideram Jesus uma parte importante das suas vidas.
As reacções foram rápidas: vários países muçulmanos manifestaram a sua desaprovação, uma vez que Jesus é uma figura sagrada para eles. No centro da cidade de Teerão, por exemplo, um cartaz que reproduzia a Última Ceia de Leonardo da Vinci dizia: “Verdadeiramente, o Messias, Jesus Cristo, o Filho de Maria, é o mensageiro de Deus”. O Presidente turco Erdogan também expressou a sua preocupação ao Santo Padre, instando-o a intervir.
As reacções eclesiásticas foram dispersas. Enquanto vários bispos - nomeadamente americanos - reagiram rapidamente, só nove dias mais tarde - no dia seguinte ao apelo de Erdogan - é que a Santa Sé manifestou a sua “tristeza”. Por seu lado, a Conferência Episcopal da França (CEF) reagiu no dia 27 para deplorar uma cerimónia que “infelizmente incluiu cenas de escárnio e de troça do cristianismo”.
Será por causa da falta de reação? A 16 de agosto, um novo ataque vem de um jornal satírico. No dia seguinte à Assunção, Charlie Hebdo publicou um desenho que insultava a Virgem Santíssima.
Este clima de hostilidade contra o cristianismo não é um facto isolado. Durante os tumultos na Nova Caledónia, foram incendiadas pelo menos quatro igrejas (aqui, a igreja de Saint-Louis). Segundo o Ministério do Interior, em 2023, registaram-se cerca de mil atos anticristãos em França. Embora a maioria destes atos diga respeito a objetos artísticos (roubos de quadros, por exemplo), não devemos perder de vista que, para nós, cristãos, certos objetos têm um valor inestimável porque não são simplesmente artísticos. Por exemplo, um relicário só tem valor por causa das relíquias que contém; um cibório que contém o Santíssimo Sacramento não tem preço porque contém Nosso Senhor verdadeiramente presente. Por outras palavras, estes roubos ou degradações são, antes de mais, um atentado contra Deus, evidentemente, e contra a nossa fé.
Assim, estes atentados não acontecem apenas nos meios de comunicação social, mas na vida quotidiana. Por exemplo, na noite de 14 para 15 de agosto, a cruz de Le Tréport (76), datada do século XVII - um ex-voto erigido na sequência de uma epidemia de peste em 1618 - foi derrubada (foto de 1924).
Será que isso significa que devemos desanimar e ter medo? No Evangelho, Jesus advertiu-nos: “Se me perseguiram a mim, também vos perseguirão a vós”. (Jo 15,20) Mas também disse: “Tende coragem, eu venci o mundo” (Jo 16,33). Que isto nos dê a coragem de defender a nossa fé. Porque, no fim de contas, estes acontecimentos obrigam-nos a questionar a profundidade da nossa fé, da qual dependerá a nossa reação a estes insultos àqueles que nos são mais queridos.
Créditos da fotografia: © patrick janicek, CC BY 2.0, Wikimedia Commons ;