In Altum

Nossa Senhora das Neves, formai os nossos corações à vossa imagem

Novo millennio ineunte

Publicado a na secção (In Altum n° 160)

Extrato da carta apostólica de João-Paulo II depois do Jubileu do ano 2000

No início do novo milénio, quando o Grande Jubileu se aproxima do seu termo, [...] no nosso coração ressoam as palavras com que Jesus convidou o Apóstolo a "fazer-se ao largo" para pescar: "Duc in altum" (Lc 5,4). [...] Caros irmãos e irmãs, [...] a nossa época é uma época de movimento constante, muitas vezes até ao ativismo, facilmente tentada a "fazer por fazer". Devemos resistir a esta tentação, procurando "ser" antes de "fazer". [...] Neste espírito, antes de propor algumas linhas de ação para a vossa reflexão, gostaria de partilhar convosco alguns elementos de meditação sobre o mistério de Cristo, fundamento absoluto de toda a nossa ação pastoral. [...]

Só a fé professada por Pedro, e com ele pela Igreja de todos os tempos, conduz ao "coração", atingindo a profundidade do mistério: "Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo" (Mt 16,16). Como é que Pedro chegou a ter tal fé? "Não foi a carne e o sangue que te revelaram isto, mas meu Pai que está nos céus" (Mt 16,17). A expressão "carne e sangue" refere-se ao homem e ao modo comum de conhecer. No caso de Jesus, esse conhecimento comum não é suficiente. É necessária uma graça de "revelação" do Pai. [...] Só a experiência do silêncio e da oração oferece o quadro adequado no qual pode amadurecer e desenvolver-se o conhecimento mais verdadeiro, mais fiel e mais coerente deste mistério [...].

A contemplação do rosto de Cristo conduz-nos assim ao aspeto mais paradoxal do seu mistério, que se revela na hora mais extrema, a hora da Cruz [...]. Para devolver ao homem o rosto do seu Pai, Jesus teve de assumir não só o rosto do homem, mas também o "rosto" do pecado [...]. Mas a contemplação do rosto de Cristo não pode deter-se na sua imagem de Crucificado. Ele é o Ressuscitado! [...] No rosto de Cristo, ela, a Esposa, contempla o seu tesouro, a sua alegria. [...] Devemos tirar daí um renovado impulso para a nossa vida cristã, fazendo dela mesmo a força inspiradora do nosso caminho. É na consciência desta presença do Ressuscitado entre nós que nos colocamos hoje a pergunta dirigida a Pedro em Jerusalém: "Que devemos fazer? [...] Não se trata de inventar um "programa novo". O programa já existe: é o mesmo de sempre, tirado do Evangelho e da Tradição viva. [...] Mas é preciso traduzi-lo em orientações pastorais adequadas [...].

 Antes de mais, não hesito em dizer que a perspetiva a partir da qual todo o caminho pastoral deve ser visto é a da santidade. [...] Devemos, portanto, redescobrir, em todo o seu valor programático, o capítulo V da Constituição dogmática sobre a Igreja Lumen gentium. [...] Colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma escolha com consequências de grande alcance. Significa exprimir a convicção de que, se o Batismo conduz verdadeiramente à santidade de Deus [...], seria um erro contentar-se com uma vida medíocre, vivida sob o signo de uma ética minimalista e de uma religiosidade superficial. [...] Para esta pedagogia da santidade, precisamos de um cristianismo que se distinga sobretudo na arte da oração. [...] No programa que nos espera, empenharmo-nos com mais confiança numa pastoral que privilegie a oração, pessoal e comunitária, significa respeitar um princípio essencial da visão cristã da vida: o primado da graça. Há uma tentação que sempre foi uma armadilha para qualquer caminho espiritual e para a própria ação pastoral: a tentação de pensar que os resultados dependem da nossa capacidade de fazer e de planear. É verdade que Deus nos pede para cooperar verdadeiramente com a sua graça e, por isso, convida-nos a investir todos os nossos recursos de inteligência e de ação no serviço à causa do Reino. Mas temos de ter o cuidado de não esquecer que "sem Cristo nada podemos fazer" (cf. Jo 1,5). [...]

 

Está na altura de uma nova "imaginação da caridade". [...]. É necessário um empenho particular em relação a certos aspetos do radicalismo evangélico, que muitas vezes são os menos compreendidos, a ponto de tornar impopular a intervenção da Igreja, mas que não devem estar ausentes dos encontros eclesiais sobre a caridade. Refiro-me ao dever de se empenhar no respeito da vida de cada ser humano, desde a conceção até ao seu fim natural [...] num estilo especificamente cristão: são sobretudo os leigos que estarão presentes nestas tarefas [...].

Que riqueza nos deu o Concílio Vaticano II nas suas orientações! Por isso, na preparação do Grande Jubileu, pedi à Igreja que refletisse sobre a receção do Concílio. Será que isso foi feito? [...] Com o passar dos anos, estes textos não perdem o seu valor nem o seu brilho. É necessário que sejam lidos adequadamente, conhecidos e assimilados como textos qualificados e normativos do Magistério, no seio da Tradição da Igreja. [...] Sinto, mais do que nunca, o dever de apontar o Concílio como a grande graça de que a Igreja beneficiou no século XX: ele oferece-nos uma bússola fiável para nos guiar no caminho do século que começa. [...] Um novo milénio abre-se diante da Igreja como um vasto oceano no qual se pode aventurar, contando com o apoio de Cristo. O Filho de Deus continua ainda hoje a fazer a sua obra. [...] A Virgem Santíssima acompanha-nos neste caminho. [...]

 _______________________________________________________________________

A frase :

«  Quanto àqueles que ainda não receberam o Evangelho, também eles são ordenados, sob diversas formas, para o povo de Deus."

 Crédito da fotografia: © Raul Magdalena - Flickr

O que você quer fazer?