Quando o Espírito Santo enche uma alma, transforma um vaso de barro num vaso de ouro

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Percorrer a Escritura... os Atos dos Apóstolos

a partir das homilias de São João Crisóstomo!

Depois do Pentecostes, estamos lançados no "tempo da Igreja". Para vos ajudar a aproveitar este tempo, sugerimos-vos que, nas próximas semanas, estudem mais especificamente os Atos dos Apóstolos, com a ajuda de São João Crisóstomo.

Em cerca de cinquenta homilias, São João Crisóstomo comenta, exorta e explica aos seus ouvintes este livro, que ele considera pouco conhecido e, no entanto, tão importante.

É uma oportunidade para voltarmos a descobrir a riqueza do ensinamento dos Padres da Igreja, que não perdeu nada da sua atualidade!

Hoje, extractos da sua 4ª homilia sobre os Atos dos Apóstolos, na qual São João Crisóstomo comenta a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes e a força da pregação de São Pedro que se seguiu ( Atos II, 1-2).

Homilia IV: O Pentecostes e a primeira pregação de São Pedro

 

I - Sobre o poder do Espírito Santo revelado no vento e no fogo

[...] "Quando se cumpriram os dias do Pentecostes", ou seja, não antes da solenidade, mas no próprio dia da festa, e convinha que a descida do Espírito Santo tivesse lugar num dia de festa, para que as testemunhas da morte de Jesus Cristo pudessem também ver este prodígio. "E, de repente, ouviu-se um som vindo do céu". [...]

Mas não era um barulho qualquer, "vinha do céu"; e como foi ouvido de repente, despertou a atenção dos discípulos. "E encheu toda a casa". Este é um símbolo do poder do Espírito Santo. Sejam atentos: são Lucas diz-nos que todos os discípulos estavam reunidos; de modo que todos acreditaram pelo testemunho dos seus sentidos e todos se tornaram testemunhas dignas de fé.

Mas aqui está uma nova maravilha, ainda mais espantosa. "E viram como que línguas de fogo que se dividiam". Não é sem razão que o escritor sagrado diz: "Como línguas". Ele quer evitar o erro daqueles que acreditam que o Espírito Santo é um elemento sensível; por isso diz: "como um fogo", e "como um vento". Não era, portanto, uma simples corrente de ar [...] e hoje, quando se trata de evangelizar o universo, ele vem como um fogo ardente. "E parou sobre cada um deles", ou seja, fixou-se e repousou sobre cada um deles, pois é esse o sentido do verbo parar . [...]

Observai também que não foi apenas para espantar os discípulos, mas também para os encher de graça, que o Espírito Santo se anunciou sob o duplo símbolo do vento e do fogo. É por isso que São Lucas acrescenta: "E todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em várias línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia o poder de falar". Este dom das línguas, inédito até então, era o único sinal das operações do Espírito divino, e era um testemunho suficiente. Mas o Espírito divino "parou em cada um deles"; [...].

Estas palavras: "Como línguas de fogo", lembram-nos um outro prodígio deste género, o da sarça ardente. "O Espírito Santo deu-lhes poder para falar", pois todas as suas palavras eram sentenças. [...]

II - Sobre o espanto da multidão

O prodígio tinha sido realizado no interior da casa, e uma curiosidade legítima fez com que todos os que ouviram falar do facto corressem para lá. "E ficaram muito admirados". O que é que esta expressão significa? Marca neles um misto de confusão e de admiração.

Mas São Lucas revela-nos a causa desta disposição quando acrescenta que "cada um os ouvia falar na sua própria língua. E a multidão dizia uns aos outros: Não são galileus todos estes que estão a falar?" Vedes como todas as mentes e todos os olhos se voltaram para os apóstolos. [...]

III - Sobre a superioridade do sinal dado aos Apóstolos em relação a todos os profetas

Mas voltemos à explicação dos primeiros versículos. "O Espírito Santo", diz São Lucas, "encheu toda a casa". Este Espírito divino foi para os apóstolos como uma piscina de água, e o fogo marcou a plenitude da graça e a veemência do zelo. Não era assim que o mesmo Espírito se comunicava aos profetas, e fazia-o de uma forma menos solene. O Senhor apresentou a Ezequiel um livro e disse-lhe: "Devora este livro, porque ele contém tudo o que tens a dizer. E eu devorei o livro", disse o profeta, "e ele estava na minha boca como o mais doce mel". (Ezequiel III, 3.) No caso de Jeremias, foi a mão do Senhor que tocou seus lábios (Jer. I, 9.) Mas aqui o Espírito Santo aparece em pessoa, e assim se mostra igual em glória ao Pai e ao Filho.

[...] São Lucas também diz, com razão, que as línguas "se dividiam", porque todas procediam do mesmo tronco e recebiam a sua força e energia do divino Paráclito.

Observe-se também que, nessa altura, a santidade dos apóstolos se manifestou pela primeira vez; também eles receberam o Espírito Santo. [...]

Mas nunca ninguém a recebeu da mesma forma que os discípulos, nem mesmo Moisés, o maior de todos os profetas. E, de facto, ele perdeu algo da sua plenitude quando o seu espírito repousou em Josué. Não há nada de semelhante aqui. Podemos acender quantas lâmpadas quisermos num fogo sem diminuir o seu volume, e foi o que aconteceu com os apóstolos. Além disso, esse fogo mostrava menos a abundância da graça do que significava a própria fonte do Espírito Santo da qual eles se abasteciam, e podemos encontrar nele uma conexão real com esta palavra do Salvador: "Eu darei àquele que crê em mim uma fonte de água que jorra para a vida eterna." (João, IV, 14.)

Era conveniente que a plenitude do Espírito Santo fosse derramada sobre os apóstolos, pois eles não deviam discutir com um Faraó, mas lutar contra o demónio. A sua prontidão em aceitar esta batalha não é menos admirável; eles não usam o exemplo de Moisés para dizer que a sua fala era lenta e a sua língua embaraçada, e não alegam com Jeremias a sua inexperiência. Mas, apesar de terem ouvido previsões mais assustadoras e mais elevadas, não ousaram recusar a ordem do Senhor. Podemos, portanto, concluir que eles eram realmente anjos de luz e dispensadores de verdades eternas.

IV - Sobre a primeira grande pregação de São Pedro e a sua transformação num apóstolo corajoso

[...] A lei obrigava os judeus a irem ao templo três vezes por ano, e é por isso que os homens religiosos de todas as nações permaneciam em Jerusalém. Esta circunstância prova quão pouco o autor do livro dos Atos procura lisonjear os judeus. De facto, ele não diz que eles se exprimiram com palavras bonitas, mas limita-se a escrever: "Quando o rumor se espalhou, reuniu-se uma grande multidão, que ficou espantada".

Este espanto era natural, pois os judeus acreditavam que a morte de Jesus Cristo tinha acabado com tudo. No entanto, as suas consciências estavam perturbadas pela visão do sangue que ainda escorria das suas mãos e, por isso, tinham medo de tudo: "É verdade", diziam, "que todos estes que estão a falar não são galileus?" Sim, os apóstolos eram mesmo da Galileia, e não faziam segredo disso. Além disso, o som deste vento impetuoso tinha tomado conta das pessoas de tal modo que se tinha reunido uma grande multidão de todas as nações do mundo. Quanto aos apóstolos, tiveram uma nova certeza pelo facto de, embora não conhecessem a língua persa, terem sabido pelos próprios persas que eles a falavam. São Lucas menciona aqui em particular povos inimigos dos judeus, para anunciar que os apóstolos deviam submetê-los ao jugo do Evangelho.

Mas, como os judeus estavam naquele tempo espalhados entre as nações, é provável que muitos gentios estivessem então em Jerusalém, pois o conhecimento da lei havia sido difundido entre eles. Estavam, pois, presentes em grande número e podiam dar testemunho do que tinham ouvido. Assim, todos concordaram em testemunhar unanimemente o prodígio, os nativos, os estrangeiros e os prosélitos. "Ouvimo-los", diziam eles, "falar na nossa língua das grandezas de Deus". A palavra dos apóstolos não era vulgar, mas sublime. Foi por isso que hesitaram no início, porque nunca se tinha visto tal prodígio. Observe-se também a honestidade de alguns da multidão: ficaram espantados e exprimiram o seu espanto, exclamando: "Que quer isto dizer?" Outros, porém, diziam com escárnio: "Estão cheios de vinho novo". Que insolência! Em suma, não nos espantemos, pois diziam que o Salvador, que expulsava os demônios, estava ele próprio endemoninhado. (João, VIII, 48.) Aqui, como sempre, a intemperança da língua procura apenas se espalhar, e pouco lhe importa que se extravie, desde que fale.

"Estão cheios de vinho novo"; sim, é por efeito de uma embriaguez celeste que homens expostos a mil perigos, temendo a morte e mergulhados numa profunda tristeza, ousam dizer tal linguagem. Além disso, é de notar que esta censura era tão implausível que só o facto de a proferir provava que eles próprios estavam perturbados pelos vapores do vinho. Por isso, explicaram o comportamento e a linguagem dos apóstolos dizendo: "Estão cheios de vinho novo". Mas Pedro, que estava com os onze, levantou a voz. [...] Admirastes o seu espírito de sabedoria na eleição de Matias; aqui admirais a sua coragem. E, de facto, no meio deste espanto e admiração geral, não era menos surpreendente que um homem simples e ignorante se atrevesse a falar perante uma tão grande multidão. Pois, se às vezes se fica confuso num círculo de amigos, não teria Pedro ficado totalmente sem palavras quando se dirigia a inimigos que não respiravam nada além de sangue e assassinato? Além disso, o próprio som de sua voz provava que nem ele nem seus colegas estavam bêbados, e deixava claro que não estavam, como os sacerdotes dos ídolos, agitados por uma raiva furiosa ou dominados por alguma violência externa.

O que é que isto significa: "com os onze"? Significa que todos tinham recebido o dom das línguas e que todos falavam pela boca de Pedro. É por isso que os onze o rodeavam, confirmando a sua palavra com o seu testemunho. "E, levantando a voz, disse": isto é, falou com um destemor raro.

Ora, Pedro só estava a fazer isto para que os judeus compreendessem os milagres que a graça do Espírito Santo acabara de produzir. E, de facto, este mesmo homem, que tinha tremido à voz de uma criada, falava com coragem no meio de um povo numeroso que só respirava sangue e assassínio. Mas era preciso estar bem seguro da ressurreição de Jesus Cristo para falar com toda a segurança a pessoas que só sabiam rir e zombar.

[...] Porque a presença do Espírito Santo os tinha transformado e tornado superiores a todos os sentimentos baixos e terrenos. Sim, quando o Espírito Santo enche uma alma, transforma um vaso de barro num vaso de oiro. Olha para Pedro! É ele ainda o apóstolo tímido e insensato, a quem Jesus Cristo disse: "E tu também não tens entendimento?" e a quem chamou de Satanás, mesmo depois de sua admirável profissão de fé? (Mat. XV, 46; XVI, 23.)

Admirai também a unidade que reina entre todos os apóstolos. Eles cedem o lugar a Pedro, porque não era necessário que todos falassem ao mesmo tempo. [...]

V - Sobre a humildade de Pedro que, pela sua palavra, triunfou sobre o orgulho dos filósofos

Mas não é menos admirável ver os apóstolos nus e desarmados a combaterem contra inimigos armados de todos os lados, e a lutarem, fracos e doentes, contra príncipes que tinham poder e autoridade sobre eles. Ignorantes e pouco eloquentes, discutiam com malabaristas e mágicos, sofistas, retores e filósofos que tinham envelhecido nas disputas da academia e do pórtico. E, no entanto, Pedro, que apenas tinha frequentado as margens do lago de Genesaré, triunfou sobre eles como se fossem apenas peixes mudos. Na verdade, venceu-os com a mesma facilidade com que um pescador apanha um peixe burro. O famoso Platão, que falou tantas coisas belas, cala-se, enquanto Pedro fala aos judeus, aos partos, aos medos, aos elamitas, aos indianos, enfim, a todos os povos e às nações mais distantes. O que é feito do orgulho da Grécia, do nome de Atenas e das reflexões dos seus filósofos? Pedro da Galileia, Pedro de Betsaida, Pedro, o ignorante, ultrapassaram-nos a todos. Mas, peço-vos, não vos envergonheis do país nem do nome do vosso conquistador; porque, se quereis saber o seu nome, ele chama-se Pedro, e isso será uma nova confusão para vós. A vossa ruína foi o facto de terem desprezado a simplicidade e dado demasiada importância à eloquência. Tomastes o caminho errado e, em vez de seguirdes o caminho real, fácil e reto, tomastes um caminho áspero, íngreme e difícil. É por isso que não conseguistes chegar ao Reino dos Céus.

Porque é que, então, perguntareis, Jesus Cristo não preferiu revelar-se a Platão ou a Pitágoras? Porque Pedro mostrou maior aptidão para essa filosofia divina. Porque os primeiros eram apenas crianças e procuravam apenas a vaidade da glória humana; o segundo, pelo contrário, era um homem maduro e um verdadeiro amigo da sabedoria. Podia assim receber os dons da graça. Podeis rir-vos das minhas palavras, mas não me surpreende, pois também os judeus zombavam dos apóstolos, dizendo que estavam cheios de vinho novo. Mas quando, alguns anos mais tarde, foram vítimas dos males mais extremos, e viram a tomada de Jerusalém e a demolição das suas muralhas, o incêndio do templo e aquelas calamidades que não se podem descrever, já não tiveram vontade de rir. Pois bem, também vós deixareis de rir no dia do juízo e perante o fogo do inferno. [...]

Mas [a palavra de Pedro] é como uma luz brilhante que dissipa as trevas e dissipa a noite profunda que envolvia o universo. Quanto aos seus méritos pessoais, que direi da sua doçura e da sua caridade? Como estava longe de qualquer sentimento de vaidade; e embora ressuscitasse os mortos, olhava para o céu com humilde simplicidade. Se um desses pretensos filósofos tivesse sido capaz, por meio de operações mágicas, de produzir algo semelhante a um tal milagre, não teria imediatamente exigido que fosse honrado como um Deus e que lhe fossem erigidos altares e templos? Mas os apóstolos fazem esses milagres todos os dias, e não imaginam nada disso.

O que são, na realidade, as divindades do paganismo: Minerva, Apolo e Juno? Demónios que são adorados sob estes diferentes nomes. E existe algum rei idólatra que não queira morrer para obter as honras da apoteose? Como é oposta a conduta dos apóstolos! Escutai o que dizem Pedro e João, depois da cura do coxo: "Israelitas, por que olhais para nós, como se tivéssemos feito andar este homem com a nossa virtude ou com o nosso poder?" E, noutra ocasião, gritam: "Somos mortais e homens como vós". ( Atos III, 12; XIV, 14.)

[...] O desprezo da glória humana é bem apropriado para nos ensinar a virtude e para expulsar da nossa alma toda a afeição viciosa. Exorto-vos, pois, a que façais todos os esforços para curar esta doença em vós mesmos, porque é o único meio de nos tornarmos agradáveis a Deus e de atrairmos para nós o olhar benévolo daquele olho que nunca se fecha. Cuidemos, pois, de adquirir os dons celestes, de evitar os males presentes e de merecer os bens eternos, pela graça e bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem, com o Pai e o Espírito Santo, sejam dadas glória, honra e domínio, agora e sempre e pelos séculos dos séculos! Assim seja.

Fonte: biblioteca digital da Abbaye Saint Benoît de Port-Valais

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